Educação moderninha


A Constituição Federal Brasileira diz, no artigo 205, que a educação é um “direito de todos e dever do Estado e da família”. A sociedade, nesse caso, tem somente a responsabilidade de incentivar o oferecimento de boa educação. Além disso, no artigo 220, inciso II, fica claro que também é dever do Estado “estabelecer meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão” que vão contra o respeito ético e social da pessoa e da família. No artigo seguinte, o 221, a Constituição detalha que os veículos de comunicação devem proporcionar à sociedade um tipo de programação que valorize fins educativos, artísticos, culturais e jornalísticos.

Mas, se é dever do Estado e da família oferecer educação (tanto a formal como a social), porque as crianças têm sido educadas pela mídia? Bom, se você, caro leitor, não acredita que os pequenos estão recebendo “ensinamentos” demais dos veículos de comunicação, vamos a alguns dados.

De acordo com a pesquisa Norton Online Living Report, realizada por uma empresa especializada em Ciência da Computação - a Symantec - com sede nos Estados Unidos, jovens e crianças do Brasil gastam todo mês, em média, 70 horas na internet.¹ Ou seja, brasileiros entre 8 e 17 anos são os internautas que ficam mais tempo online. Será que essas crianças passam o equivalente de horas em um simples relacionamento presencial com seus pais ou amigos?

Outro estudo, mas esse realizado pela Universidade de Duke, Estados Unidos, mostrou que o desempenho de jovens internautas em avaliações de matemática e leitura é significantemente inferior se comparado com os alunos que não possuem computador em casa. A pesquisa, que levou 5 anos para ser concluída, analisou mais de 150 mil alunos da Carolina do Norte (EUA) de 5ª à 8ª série do ensino fundamental.²

Isso porque estamos falando somente da internet. E a televisão, o meio de comunicação mais popular do Brasil?³ O jornalista Michelson Borges em seu livro “Nos bastidores da mídia” mostra uma pesquisa feita em 1999 pelo Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística). No estudo, as 10 atrações televisivas mais vistas por crianças e adolescentes entre 2 e 14 anos eram, na verdade, destinadas aos adultos.4

Mas os números não param por aqui. Uma pesquisa divulgada no último dia 11 de outubro, produzida pela Universidade de Bristol, na Inglaterra, verificou que crianças que passavam mais de duas horas por dia assistindo TV ou jogando no computador tem 60% mais risco de ter problemas psicológicos. Os analisados, de 10 e 11 anos de idade, mostraram ter mais chance de serem hiperativos ou de desenvolver problemas emocionais e de relacionamento. Ao todo, o comportamento de 1.013 crianças foi acompanhado no estudo publicado na revista especializada Pediatrics.5

“É consenso que presenciamos um momento conturbado na atualidade. A História mundial vivencia um novo período [...]. Família, Estado, relacionamento, religião e educação, antes conceitos impermeáveis e rígidos, tornaram-se conceitos flexíveis e extremamente maleáveis, instáveis, pois só permanecem ‘vivos’ se contextualizados. Consumismo e individualismo são os parâmetros, os paradigmas da pós-modernidade.”6

Esse consumismo, citado acima e descrito pelo pesquisador Guilherme de Oliveira, é resultado, principalmente, de algo que já falamos aqui no blog: o capitalismo (clique aqui para ler o texto sobre mídia e capitalismo). Esse sistema deixa claro que nenhum dos “setores” da sociedade está livre do consumo, muito menos dos apelos para que ele continue existindo. Atender necessidades e desejos, no universo capitalista, faz parte de um processo que vai desde uma escolha muito bem pensada, até impulsos demasiadamente irracionais. E as crianças, consequentemente, também são alvo, já que fazem parte da sociedade.

Não é a toa que o mercado de produtos destinados às crianças está cada vez mais diversificado e amplo. Para comprovar, basta dar uns poucos passos em shopping centers. Mercado especializado e custoso, claro. Afinal, pais e mães querem garantir o melhor pros filhos e, muitas vezes, se privam de comprar para si para constantemente presentear seus “anjinhos”.

Em meio ao turbilhão que é essa realidade, pais acabam cultivando alguns empregos para conseguir pagar as contas, que parecem nunca acabar. Assim, com menos tempo para educação familiar e os cuidados afetivos dentro de casa, as crianças passam a ser educadas por uma sociedade cada vez mais digital, midiatizada, tecnológica. E a responsabilidade da instrução vai parar nas mãos daqueles que não têm a responsabilidade – e nem podem ter – por tão importante cargo.

Para a jornalista Sofia Costa, o perigo mora, na verdade, no fato de a maior parte do público acreditar que aquilo que é veiculado na televisão é o que realmente aconteceu. Até porque os meios de comunicação são os mediadores entre informação e público.

A questão que fica, então, (e que não calar) é se nós, comunicadores, estamos desempenhando nosso papel social no oferecimento de programação de qualidade. E quando família e Estado, de uma vez por todas, vão entender que educação vem de casa, de berço e - em última estância - da escola; e não de telas touch screen de última geração?

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Referências:

1 – As crianças brasileiras superam o restante do mundo quando o assunto é tempo gasto navegando na internet. Clique aqui para ler mais detalhes sobre a pesquisa.

2 - “Crianças com computador em casa têm pior desempenho escolar, diz estudo”. Clique aqui para ler sobre o tema na íntegra.

3 - Aparelhos de TV estão presentes em 95% das casas brasileiras, aponta IBGE. Clique aqui para ler a matéria na íntegra.

4 – Pesquisa realizada pelo Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) citada no livro Nos Bastidores da Mídia, de Michelson Borges, página 46. Editora: Casa Publicadora Brasileira.

5 – “TV e computador em excesso faz mal a crianças”. Clique aqui para ler mais sobre a pesquisa.

6 – Artigo científico: “Minha mãe é a TV”: a mídia no lugar do Grande Outro” – Por Guilherme Reolon de Oliveira, graduando em Comunicação Social (Jornalismo) na Universidade de Caxias do Sul (UCS) e em Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pesquisador de mídia e pós-modernidade. Disponível aqui.

Um comentário:

  1. As pessoas estão cada vez mais perdendo contato tanto com familiares, como com amigos. Pais que trabalham o dia inteiro e tentam suprir a carência dos filhos 'comprando' eles com presentes e filhos que tentam 'extorquir' os pais para compensar esta ausência.

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