Brasileiro tem memória?


Não sei se é generalizar demais afirmar que todos nós, brasileiros, muitas vezes nos esquecemos da onde viemos. (Na verdade, acho que é, mas arrisco continuar). Não me refiro à origem da nossa família ou à luta de nossos pais na busca pela melhoria da qualidade de vida da chamada classe média. Falo do começo de tudo, da época da formação dos povos dessas terras tropicais há mais de 1.500 anos. Será que mantemos acessível na memória nossas influências, misturas, heranças culturais que fazem de nós uma nação? Será que a mídia nos ajuda a lembrar, a pensar sobre isso?

O legado deixado por nossos colonizadores e pelos primeiros moradores dessas bandas de cá da América, continentais em tamanho, é, de fato, muito grande. Mas o assunto em questão, aqui, é herança racial. Ou, mais objetivamente, racismo.

Entre algumas coisas contraditórias, o sociólogo recifense Gilberto Freyre acerta quando apresenta o negro da época dos senhores de engenho como um colonizador. No livro Casa Grande & Senzala, o escritor se refere ao escravo como um ator de papel fundamental na criação da identidade brasileira, assim como os costumes portugueses e indígenas ajudaram na construção da nossa “personalidade” nacional.

Freyre lembra que o negro trouxe consigo, do continente africano, conhecimento culinário, religioso e de pecuária. Herdamos deles grande parte das nossas raízes musicais e folclóricas, e essa mistura foi imprescindível para a formação de uma nação culturalmente rica.

O autor deixa claro que as atitudes do negro não eram determinadas pela cor. O escravo podia ser taxado, sim, de desonesto, vulgar e mentiroso. Mas ele agia dessa forma porque era preso, vivia confinado, era torturado. Caso eu ou você, brancos ou amarelos, vivêssemos em iguais condições, certamente nossas reações à escravidão seriam as mesmas. (Freyre, p. 397)¹

Ora, só partindo dessa construção de raciocínio já seria óbvio pensar que preconceito racial é, racionalmente, algo inconcebível e sem lógica. Se uníssemos a isso outros motivos, de ordem política ou religiosa, por exemplo, só engrossaríamos os argumentos em favor da não discriminação. Mas esses discursos não parecem tão fáceis de serem encontrados na mídia. Em outros posts deste blog já falamos sobre o papel vital que os meios de comunicação desempenham na sociedade e sobre a força de influência que têm sobre as pessoas.

Porém, talvez a mídia não esteja usando como (ou o quanto) deveria esse poder a favor da pregação da igualdade entre as raças. E por quê? Simples: os próprios produtos que a mídia cria reforçam velhas ideias preconceituosas.

Pense rapidamente: quantas vezes você em uma novela o pobre, marginal ou drogado sendo interpretado por uma pessoa branca? (Aposto que pouquíssimas!) Não vale as vezes em que o rico, personagem principal, se envolve com trambiqueiros... E o que me você me diz do símbolo da sensualidade representado pela bela mulata da escola de samba? É praticamente um “produto” sexual pronto para ser exportado mundialmente (que, convenhamos, já é há muito tempo). Como se não existe outra infinidade de belezas nesse Brasil de meu Deus a serem mostradas mundo afora.

E o que dizer das peças publicitárias, nem importa sobre o quê, onde só aparecem brancos aparentemente felizes, bem-sucedidos e satisfeitos com o produto apresentado na propaganda? Inclusive, recentemente, o governo federal – por meio a secretaria de Igualdade Racial da Presidência da República – moveu uma ação na justiça para reclamar a inexistência de negros na campanha publicitária da fralda Serenata, da Turma da Mônica.

Não há crime na não-presença de negros em propagandas. Nem é essa a questão. O problema é a associação do negro a estereótipos negativos e a retratação inadequada, ou melhor, distorcida da realidade brasileira. Explico.

A população brasileira não é formada por maioria branca. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicam que 6,3% dos brasileiros são pretos e 43,2% são pardos (para o governo, pardos são considerados negros). Se levarmos em conta os índices referentes aos amarelos e aos indígenas, o resultado da soma de todas as pessoas negras é superior ao número de brancos brasileiros. Essas informações foram apresentadas na Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, elaborada em 2006. O documento confirma:

No que diz respeito à distribuição por cor da população, pode-se verificar uma considerável queda no percentual de participação da população branca, a que, pela primeira vez nas duas décadas de levantamentos estatísticos sistemáticos por pesquisas amostrais, não alcança a 50% da população total.²

Mas, se a maioria é não é branca, porque a mídia não reflete isso? Como acabei de mencionar texto acima, cadê as propagandas com negros? Afinal, negros também consomem! Negros fazem compras! O racismo no Brasil existe e é velado.

Em um estudo realizado pelo Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), verificou-se que, entre dezembro de 2005 e fevereiro de 2006, apenas 7,3% das pessoas presentes nas propagandas publicadas nos jornais paranaenses eram negras. Em entrevista ao jornal Gazeta do Povo, o psicólogo e pesquisador Paulo Baptista da Silva, orientador do levantamento, afirmou que, na publicidade, “a figura do branco é [ligada] à norma de humanidade, ao belo. Já a imagem do negro aparece como sinônimo de feio e primitivo.” (Clique aqui para ler a matéria na íntegra.)

É fácil encontrar na mídia representações do negro como trabalhador braçal (doméstica, pedreiro, operário), mas é muito difícil encontrar negros representados em posições valorizadas ou de destaque como empresários ou pessoas bem-sucedidas.

E, então, estou generalizando ao afirmar que nós, brasileiros, muitas vezes nos esquecemos da onde viemos?

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Referências:

1 - FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 51ª ed.rev. São Paulo: Global, 2006.

2 - Clique aqui para ler a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE (2006).

- Também foi utilizado como fonte de pesquisa para a elaboração deste texto:
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Entrevista: Primeiros passos

Uma das atividades mais básicas do jornalista é unir informações soltas e transformá-las em material que seja claro, rico e que, ao mesmo tempo, possa ser compreendido por qualquer pessoa independente do grau de instrução. Porém, na prática, nem tudo é tão fácil como na teoria. Cada área do jornalismo possui desafios que devem ser, diariamente, superados.

Na entrevista, a jornalista carioca Eliane Cantanhêde fala sobre os desafios que cercam a cobertura jornalística de assuntos políticos – principalmente para quem está começando a carreira. A primeira vez que ela teve contato com a prática jornalística foi em 1972 quando ainda cursava o 2º ano de Jornalismo na Universidade de Brasília (UnB). Esse ano marcou o início de suas aventuras como estagiária. Depois de 38 anos de profissão, somou experiências como repórter da revista Veja, colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de ser diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da Folha de S. Paulo em Brasília. Desde 1997 a jornalista é colunista fixa da Folha nas versões impressa e online, onde escreve sobre política interna e externa, área social e comportamento.

A conversa sobre jornalismo em uma quente tarde de segunda-feira. Simpaticíssima e descontraída, apesar da impessoalidade do telefone, Eliane disse gostar de falar a estudantes, já que foi na faculdade onde “se encontrou” profissionalmente. Ela estava na redação da Folha quando respondeu às perguntas da repórter.

1 - Quais são os maiores desafios para fazer Jornalismo Político?

É ter fontes próximas o suficiente para te dar uma boa informação, mas longe o suficiente para você não ser contaminada e não tomar partido. É preciso equilíbrio. Estar pertinho para saber das coisas, mas sem se envolver.

2 – Você estipulou limites em relação ao envolvimento com suas fontes políticas?

Eu conheço fontes de todos os partidos, de todas as tendências, de todas as gerações. Mas eu não tenho vínculos com lado nenhum, com fonte nenhuma, partido nenhum. É claro que somos pessoas humanas. Têm pessoas com quem eu gosto mais de conversar e tem pessoas que eu gosto menos. Mas não deixo que isso interfira na minha capacidade de analisar e informar. E a gente aprende isso com a experiência.

3 – Como não ser enganado pelo discurso político?

Esse é o grande pulo-do-gato. Quando você fica um repórter um pouco mais experiente, você colhe a declaração e contextualiza. Quando você fica mais experiente ainda - como acontece comigo, que trabalho com opinião - mais do que a frase, me interessa o porquê que aquela frase foi dita e como eu enxergo o que foi dito. Porque eu tenho que conhecer o personagem, os interesses daquele personagem, as alianças dele pra saber não o que ele disse, mas porquê ele disse.

4 – Que características um jornalista que cobre política precisa ter. Habilidades, afinidades?

Primeiro: a cobertura política não é cartesiana. Em política, dois mais dois nem sempre são quatro. Então você precisa ler muito, ter uma boa capacidade de interpretação de texto e de fala, você precisa conhecer os personagens [os políticos] acompanhar o noticiário, não só o nacional, mas o dos estados também. E precisa ser muito, muito curioso. Tem que querer entender o que tá por trás das coisas e tentar projetar o que vai acontecer [depois] daquela reunião, daquela frase, daquele discurso. E as conseqüências dessas coisas todas.

5 – Para um estudante de jornalismo que deseja investir nessa especialidade, por onde começar? Com quem falar, que livros ler, que hábitos ter?

Coisa mais importante do mundo: gostar de ler jornal, revista, ouvir rádio e assistir aos principais telejornais do País – além de programas de TV, também. Tem uns [programas de TV] muito bons como o Roda Viva, por exemplo. Dessas coisas você tem que gostar mais do que da internet. Consultar a internet é bom, mas deturpa muito. Cada um escreve o que bem entende lá. No jornal [impresso], quem escreve é fiscalizado, você é cobrado pelo que escreve. Então eu sugiro que o jovem estudante leia jornal, leia revistas.

Além disso, tem outras coisas básicas como conhecer a história e a geografia brasileira, da América do Sul, da América Latina, do mundo. Quando fiz meu curso [de Jornalismo], por iniciativa própria estudei um pouco de Introdução ao Direito, Introdução às Relações Internacionais, Introdução à Economia e sempre estudei línguas. Você tem que ter uma visão geral, precisa saber ler um artigo da Constituição, precisa ter uma noção da área de Economia. E precisa entender que o Brasil não tá perdido no mundo, ele está inserido num todo.

Objeto de decoração

Se existe uma ferramenta publicitária que dificilmente cairá de moda é o emprego da imagem da mulher como mecanismo de propaganda, uma utilização do corpo e da figura feminina como objeto. Etimologicamente, transformar ou tratar como coisa algo que não é, significa “reificação”, prática existente desde que o mundo é mundo.

O fato é que, na mídia, o termo pode ser facilmente empregado quando o assunto é estimular o consumo através das curvas de uma bela jovem. Para Karl Marx, o famoso economista e sociólogo que deu origem ao marxismo, reificação é o ato de “apresentar o ser humano como objeto físico privado de qualidades pessoais ou de individualidade”. Ora, a presença de moças em propaganda de cerveja, por exemplo, facilmente se encaixa nessa definição. A atribuição da conquista ou, porque não, da compra à feminilidade; transforma apenas em aparência e sensualidade todo o aspecto abstrato e complexo que é pertencer ao sexo feminino.

Embora, no marxismo, a definição de “reificar” faça alusão ao modo de produção capitalista, é possível utilizar esse significado também nas relações sociais tanto de ordem sentimental, como mercadológica. Com a tão falada luta pela igualdade entre os sexos e com o estabelecimento da mulher no cenário global como pessoa de negócios e, ao mesmo tempo, como chefe do lar; parece que se tornou ultrapassado o desejo de ter um parceiro que a ofereça segurança e amor. É como se, assim como um carro de luxo, as mulheres devessem ser adquiridas - e não conquistadas - de acordo com suas características pessoais: quanto mais agrada as vontades do comprador e quanto menos usado está o veículo, mais valioso é o produto.

Porém, apesar dessa sociedade pós-moderna e individualista, as mulheres não são como carros de luxo. Ao contrário, elas ainda querem ver realizado um velho sonho: ter estabilidade emocional – desejo cada vez mais difícil de ser concretizado uma vez que falta às mulheres autovalorização e respeito, e aos homens menos apego às características exteriores da beleza feminina. Uma mistura que, quando ocorre, resulta em casamentos desfeitos como trocas de mercadorias em lojas e a destruição de famílias apegadas à fantasia de ter uma vida como às de cinema.

Parece que as pessoas não sabem (ou esquecem) que o mundo perfeito criado pela mídia, recheado de rostos impecáveis, corpos esculturais e sem imperfeições, nada mais é que resultado de recursos tecnológicos. Recursos esses, não de saúde, mas de computador. Programas de informática, como o photoshop, que criam uma atmosfera de encanto, mas que, na maioria das vezes, não passa de fruto da imaginação humana, infelizmente.

Foi para tentar “acabar com a idealização do corpo humano pela publicidade e com a difusão da ideia de que as modelos e os modelos retratados são perfeitos”, o deputado Wladimir Costa (PMDB-PA) criou o Projeto de Lei 6853/10. Em tramitação na Câmara dos Deputados, iniciativa pretende tornar obrigatória a presença de um aviso informando que recursos de edição foram utilizados na foto caso a imagem tenha passado por manipulação. No descumprimento da “Lei do Photoshop”, como o projeto ficou conhecido no Brasil, a multa pode variar entre R$ 1,5 mil e R$ 50 mil.

Em alguns países europeus, como França e Reino Unido, a discussão também já foi levantada. Lá, o projeto que, como no Brasil, ainda não foi aprovado, prevê um anúncio no rodapé da imagem evidenciando que foto passou por tratamento, como no exemplo: “Esta imagem foi modificada digitalmente e pode não corresponder à realidade”.

O fato é que, submetida a pequenos retoques, ou não, a mídia sempre acaba interferindo na vida real causando consequências mais do que reais. A capixaba Sheyla Almeida Hershey, de 30 anos, sonhava em ganhar fama e conhecimento. Alcançou seu objetivo após se submeter a cirurgias para aumentar o busto. Com o feito, foi considerada a mulher com as maiores próteses de silicone do mundo por causa dos cinco litros e meio de silicone que chegou a ter em cada mama. Porém, recentemente, por causa de uma nova cirurgia, a modelo sofreu uma grave infecção bacteriana nos seios e passou a correr risco de morte.

Qual o preço do sucesso? Quanto as pessoas estão dispostas a pagar para estarem na mídia? Ou, melhor, qual o preço que nós, enquanto sociedade, estamos pagando por causa das “leis midiáticas” sobre o que é belo, sexy ou cool? Não pode ser normal meninas ricas morrerem de inanição porque acham que estão acima do peso. Não é possível ser natural garotas tirarem a roupa e exporem seu corpo em nome de um produto “louro e gelado” que embebeda e aniquila lares inteiros. Mas essa é nossa realidade, infelizmente.

Educação moderninha


A Constituição Federal Brasileira diz, no artigo 205, que a educação é um “direito de todos e dever do Estado e da família”. A sociedade, nesse caso, tem somente a responsabilidade de incentivar o oferecimento de boa educação. Além disso, no artigo 220, inciso II, fica claro que também é dever do Estado “estabelecer meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão” que vão contra o respeito ético e social da pessoa e da família. No artigo seguinte, o 221, a Constituição detalha que os veículos de comunicação devem proporcionar à sociedade um tipo de programação que valorize fins educativos, artísticos, culturais e jornalísticos.

Mas, se é dever do Estado e da família oferecer educação (tanto a formal como a social), porque as crianças têm sido educadas pela mídia? Bom, se você, caro leitor, não acredita que os pequenos estão recebendo “ensinamentos” demais dos veículos de comunicação, vamos a alguns dados.

De acordo com a pesquisa Norton Online Living Report, realizada por uma empresa especializada em Ciência da Computação - a Symantec - com sede nos Estados Unidos, jovens e crianças do Brasil gastam todo mês, em média, 70 horas na internet.¹ Ou seja, brasileiros entre 8 e 17 anos são os internautas que ficam mais tempo online. Será que essas crianças passam o equivalente de horas em um simples relacionamento presencial com seus pais ou amigos?

Outro estudo, mas esse realizado pela Universidade de Duke, Estados Unidos, mostrou que o desempenho de jovens internautas em avaliações de matemática e leitura é significantemente inferior se comparado com os alunos que não possuem computador em casa. A pesquisa, que levou 5 anos para ser concluída, analisou mais de 150 mil alunos da Carolina do Norte (EUA) de 5ª à 8ª série do ensino fundamental.²

Isso porque estamos falando somente da internet. E a televisão, o meio de comunicação mais popular do Brasil?³ O jornalista Michelson Borges em seu livro “Nos bastidores da mídia” mostra uma pesquisa feita em 1999 pelo Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística). No estudo, as 10 atrações televisivas mais vistas por crianças e adolescentes entre 2 e 14 anos eram, na verdade, destinadas aos adultos.4

Mas os números não param por aqui. Uma pesquisa divulgada no último dia 11 de outubro, produzida pela Universidade de Bristol, na Inglaterra, verificou que crianças que passavam mais de duas horas por dia assistindo TV ou jogando no computador tem 60% mais risco de ter problemas psicológicos. Os analisados, de 10 e 11 anos de idade, mostraram ter mais chance de serem hiperativos ou de desenvolver problemas emocionais e de relacionamento. Ao todo, o comportamento de 1.013 crianças foi acompanhado no estudo publicado na revista especializada Pediatrics.5

“É consenso que presenciamos um momento conturbado na atualidade. A História mundial vivencia um novo período [...]. Família, Estado, relacionamento, religião e educação, antes conceitos impermeáveis e rígidos, tornaram-se conceitos flexíveis e extremamente maleáveis, instáveis, pois só permanecem ‘vivos’ se contextualizados. Consumismo e individualismo são os parâmetros, os paradigmas da pós-modernidade.”6

Esse consumismo, citado acima e descrito pelo pesquisador Guilherme de Oliveira, é resultado, principalmente, de algo que já falamos aqui no blog: o capitalismo (clique aqui para ler o texto sobre mídia e capitalismo). Esse sistema deixa claro que nenhum dos “setores” da sociedade está livre do consumo, muito menos dos apelos para que ele continue existindo. Atender necessidades e desejos, no universo capitalista, faz parte de um processo que vai desde uma escolha muito bem pensada, até impulsos demasiadamente irracionais. E as crianças, consequentemente, também são alvo, já que fazem parte da sociedade.

Não é a toa que o mercado de produtos destinados às crianças está cada vez mais diversificado e amplo. Para comprovar, basta dar uns poucos passos em shopping centers. Mercado especializado e custoso, claro. Afinal, pais e mães querem garantir o melhor pros filhos e, muitas vezes, se privam de comprar para si para constantemente presentear seus “anjinhos”.

Em meio ao turbilhão que é essa realidade, pais acabam cultivando alguns empregos para conseguir pagar as contas, que parecem nunca acabar. Assim, com menos tempo para educação familiar e os cuidados afetivos dentro de casa, as crianças passam a ser educadas por uma sociedade cada vez mais digital, midiatizada, tecnológica. E a responsabilidade da instrução vai parar nas mãos daqueles que não têm a responsabilidade – e nem podem ter – por tão importante cargo.

Para a jornalista Sofia Costa, o perigo mora, na verdade, no fato de a maior parte do público acreditar que aquilo que é veiculado na televisão é o que realmente aconteceu. Até porque os meios de comunicação são os mediadores entre informação e público.

A questão que fica, então, (e que não calar) é se nós, comunicadores, estamos desempenhando nosso papel social no oferecimento de programação de qualidade. E quando família e Estado, de uma vez por todas, vão entender que educação vem de casa, de berço e - em última estância - da escola; e não de telas touch screen de última geração?

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Referências:

1 – As crianças brasileiras superam o restante do mundo quando o assunto é tempo gasto navegando na internet. Clique aqui para ler mais detalhes sobre a pesquisa.

2 - “Crianças com computador em casa têm pior desempenho escolar, diz estudo”. Clique aqui para ler sobre o tema na íntegra.

3 - Aparelhos de TV estão presentes em 95% das casas brasileiras, aponta IBGE. Clique aqui para ler a matéria na íntegra.

4 – Pesquisa realizada pelo Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) citada no livro Nos Bastidores da Mídia, de Michelson Borges, página 46. Editora: Casa Publicadora Brasileira.

5 – “TV e computador em excesso faz mal a crianças”. Clique aqui para ler mais sobre a pesquisa.

6 – Artigo científico: “Minha mãe é a TV”: a mídia no lugar do Grande Outro” – Por Guilherme Reolon de Oliveira, graduando em Comunicação Social (Jornalismo) na Universidade de Caxias do Sul (UCS) e em Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pesquisador de mídia e pós-modernidade. Disponível aqui.

Dai a César o que é de César

Estudiosos afirmam que a imprensa oferece o que o povo quer consumir e não o contrário

Na teoria, todo ser humano precisa cultivar uma boa imagem, cuidar de sua reputação. Mas talvez alguns precisem, digamos, de mais zelo. Famosos, personalidades e figuras públicas têm seu rosto constantemente estampado em uma capa de jornal ou na telinha da TV. Nesse contexto, então, não é difícil acreditar que a mídia divulga candidatos e suas campanhas como quem deseja formar o posicionamento público¹, por exemplo.

Segundo Valeriano Costa, doutor em Sociologia pela USP e responsável pelo Centro de Estudos de Opinião Pública (CESOP), não é a mídia que forma a opinião pública, mas sim, o povo que a leva a falar exageradamente sobre o mesmo assunto, como ocorreu na cobertura das eleições para presidente dos Estados Unidos em 2008. “Eu acredito que a mídia é que foi arrastada pela opinião pública. A população ficou encantada [pela ‘personalidade Obama’] e a mídia também. Ele era um candidato exótico no começo, então a mídia foi na onda”, afirma Costa.

Para Costa, o interesse político dos veículos midiáticos não é exposto claramente no Brasil. “Em qualquer lugar do mundo os veículos de comunicação se interessam por um ou por outro candidato. É comum. Nos Estados Unidos é assim. O veículo se interessa pela filosofia de um candidato e se posiciona em relação a ele”.

E não é difícil encontrar essa característica na imprensa internacional. Para o professor Alcindo Gonçalves, doutor em Ciência Política pela USP, quando o jornal expõe seu posicionamento político através do editorial – texto que reflete a opinião do veículo para a sociedade – a cobertura jornalística se torna mais clara e transparente para o consumidor. “No Brasil esse hábito não é comum como é lá fora [no exterior]. A cobertura é feita aqui, na maioria das vezes, de maneira vergonhosa”, argumenta Gonçalves. “O desafio é fazer uma cobertura isenta e imparcial e não esconder do consumidor qual a opinião do órgão [veículo]. É o que a imprensa escrita internacional tenta fazer”, conclui.

Recentemente, o jornal O Estado de S. Paulo declarou apoio à candidatura do político tucano José Serra, um fato isolado. Talvez o problema seja a falta de maturidade do jornalismo nacional e do povo brasileiro que tende a misturar opinião de apenas informação.

Referências:

1 - “Mídia americana faz posse de Obama virar momento histórico”. Disponível em http://noticias.terra.com.br/jornaisrevistas/interna/0,,OI3464259-EI12965,00.html

Tá querendo aparecer, né?


Como vimos no texto sobre mídia e capitalismo, os meios de comunicação que estimulam, em grande parte, muitas das atitudes que os indivíduos tomam. Não que ela seja a raiz de todos os males, até porque se há mal nela, temos a liberdade de nos abster-nos, basta ter a atitude de desligar a TV, sair da internet ou fechar o jornal. Mas esse não é tema central desse texto. O fato é que se a mídia tem envolvimento com o capitalismo, certamente outros setores da sociedade se interessam por ela, como a política.

Recentemente, por ocasião do período eleitoral, o Brasil presenciou algumas “brigas” de pequenos partidos políticos nacionais requisitando mais espaço na mídia. Representantes do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Verde (PV), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Democrata Cristão (PDC), entre outros, criticaram a grande imprensa – formada pelos meios de comunicação de grande visibilidade nacional, como a Globo – de só darem aos grandes partidos oportunidades justas para se exporem na mídia.

O ex-canditado à presidência da República Plínio de Arruda Sampaio, por exemplo, ficou revoltado com a Rede Globo no início da campanha eleitoral. Em entrevista (gravada) para o Jornal Nacional, concedida ao repórter Tonico Ferreira, Plínio reclamou do fato de que somente os grandes partidos (como o PT e o PSDB) conseguem se fazer ouvir na mídia (assista o vídeo aqui). Mas porque políticos, partidos e famosos (ou aspirantes à celebridade) julgam ser tão importante estar na mídia?

De acordo com o sociólogo e pesquisador espanhol Manuel Castells, vivemos em um ambiente onde nossas experiências se baseiam, cada vez mais, nos meios de comunicação¹. Essa realidade, por sua vez, faz de nós platéia de um espetáculo chamado mídia. Rapidamente, vamos analisar somente a televisão, de forma isolada. Tomando como base a ideia de Catells, a mídia “arma o palco” para que tudo aquilo que se pretende comunicar à sociedade, de política à negócios, seja possível de ser transmitido.

Ou seja, se a mídia é o palco, os “artistas” são aqueles que nela aparecem. Assim, todo o indivíduo que quiser comunicar algo e não estiver presente nesse ambiente automaticamente está fora de cogitação. “A política e os políticos ausentes da televisão nas sociedades desenvolvidas simplesmente não tem chance de obter apoio popular” (CATELLS, pg. 421). Isso porque “as mentes das pessoas são informadas, fundamentalmente, pelos meios de comunicação, sendo a televisão a principal delas” (idem).

Só que essa “regrinha” de sobrevivência não vale somente para a televisão, afinal, a mídia é como um guarda-chuva: é formada por várias hastes que são igual importância. Ou seja, se a televisão dita quais informações serão absorvidas pelos cidadãos, consequentemente ela determinará o assunto dos jornais, das capas de revista e das manchetes dos sites de notícias.

E os políticos donos de mídias?

O problema é que muitos políticos brasileiros, para “garantir a fama” na mídia, se tornam donos, sócios ou diretores de veículos de comunicação, prática comum no Brasil mesmo indo contra a Constituição Federal. Ao fazer uma rápida busca pela internet é possível encontrar diversos materiais que analisam e citam essa prática. No site de notícias relacionadas à política Congresso em Foco, por exemplo, pode-se ler várias reportagens2 que mencionam nomes de senadores e deputados que controlam emissoras de rádio ou televisão. No Observatório da Imprensa, veículo jornalístico que analisa o comportamento da mídia desde 1996, também é possível encontrar outro dado3 sobre a concentração de veículos midiáticos em poder de políticos brasileiros: 271 são sócios ou diretores de empresas de radiodifusão (rádio ou TV) no país.

O tema também já foi objeto de estudo do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)4. Porém, de acordo com o artigo 54 da Constituição Federal, deputados e senadores não podem ser proprietários, controladores ou diretores de empresa concessionária de serviço público, nem estabelecer ou manter contrato com veículos de radiodifusão5.

Para o caso dos vereadores, deputados estaduais, prefeitos e governadores, existem leis semelhantes que também proíbem a prática. “Na verdade, as disposições federais devem ser reproduzidas nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas de cada município como uma espécie de extensão da Constituição Federal”, esclarece o professor Vidal Serrano, doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC – SP) e professor-assistente na mesma universidade. A norma só não vale para veículos impressos, já que esses não dependem de concessão para funcionarem (artigo 220, parágrafo 6º)6.

Porque é inconstitucional?

Portanto, o que fica claro até aqui é que, através da análise de dispositivos legais e de normas do país, os políticos brasileiros não podem possuir cargo remunerado ou serem donos de canais de TV ou estações de rádio, algo que ocorre, como já mencionado neste texto, apesar da inconstitucionalidade.

Porém, há uma informação que a própria mídia não esclarece: por que os poderosos das Assembleias Legislativas, Câmaras e Congresso não podem ser concessionários de rádios ou TVs?

Que tipo de prejuízo um político dono ou sócio de veículo midiático pode causar à sociedade?

Para o sociólogo Venício de Lima, pós-doutor em Comunicação pela Universidade de Illinois e pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (Nemp) da Universidade de Brasília (UnB), se um político cujo mandato está em vigor possui ligações empregatícias com alguma rádio ou canal de TV, automaticamente está sendo desleal na corrida eleitoral.

Isso porque as campanhas políticas são feitas, fundamentalmente, pela mídia. Não só através dos horários políticos, mas, principalmente, através do que a imprensa divulga cotidianamente sobre os candidatos. “Se um político no exercício do seu mandato pode usufruir dessa concessão para construir sua imagem pública, ele já desfruta de uma condição desigual em relação a quem disputa as eleições com ele”, afirma. “Isso é profundamente antidemocrático. Se essa situação existe, é irregular, portanto, deveria ser combatida”, analisa o especialista.

A questão é que a comunicação e a mídia parecem um imenso terreno movediço para que regras sejam estabelecidas. Não se pode afirmar que um governante que possui laços estreitos de relacionamento com veículos de comunicação seja incapaz de produzir conteúdo de interesse público e ser isento. Mas, também, existe o risco de ele fazer uso de ferramentas midiáticas em benefício próprio. “Há sempre a possibilidade de associarem a imagem das coisas boas feitas durante determinada administração com o ocupante do cargo público na época. Isso sempre oferece uma vantagem para quem disputa a reeleição em relação àquele que concorre pela primeira vez ao cargo, por exemplo”, avalia Venício de Lima.

Falta ética

Além dos aspectos que regem as concessões de empresas de radiodifusão, existe a questão ética que também faz parte da discussão sobre políticos e o envolvimento desses com a mídia. Para a jornalista Daniela Lima, que cobre política no jornal Correio Braziliense, a sociedade deve sempre observar o relacionamento entre o poder público e os veículos de comunicação. Inclusive, através da apropriação de veículos midiáticos, pode acabar surgindo o perigo do monopólio de opinião. A questão é que as várias vozes da sociedade têm que estar presentes nos veículos de comunicação, como destaca o doutor em Comunicação Alfredo Vizeu, sócio-fundador da Sociedade Brasileira dos Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor). Se isso não ocorre, não há a possibilidade de contrastar ideias.

Então, em meio a tantos detalhes que merecem atenção, cabe ao jornalista “ter sabedoria e discernimento para saber até que ponto o que ele está fazendo pode prejudicar o relato fiel dos fatos e a busca pela imparcialidade”, reflete João Paulo Ferreira, produtor de jornalismo da EPTV, a afiliada da Rede Globo de Campinas. Afinal, acima da obrigação com editores, chefes e donos de mídias, o jornalista deve, em seu compromisso máximo, atender as necessidades da sociedade7.

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Referências:

1 - Trecho retirado do livro Sociedade em Rede, de Manuel Castells. Editora Paz e Terra.

2 - “A bancada dos empresários da comunicação: Veja a relação dos deputados que detêm concessão de emissoras de radiodifusão, segundo o Ministério das Comunicações” http://congressoemfoco.ig.com.br/Noticia.aspx?id=2324

- “No ar, suas excelências: Pesquisadores gaúchos mostram que 35% dos senadores controlam direta ou indiretamente emissoras de rádio e TV”
http://congressoemfoco.ig.com.br/Noticia.aspx?id=2395

- “Interesses em conflito: Dos 76 integrantes da comissão que autoriza concessões de rádio e TV, 16 são ligados a emissoras de radiodifusão”
http://congressoemfoco.ig.com.br/Noticia.aspx?id=15049

3 -“271 políticos são sócios de empresas de comunicação”
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=487IPB004

4 - “Oligarquia, coronelismo e coronelismo eletrônico: A radiodifusão como arma para manutenção e ampliação do poder”
http://www.intercom.org.br/premios/2009/FabiolaMendonca.pdf

5 - Constituição Federal – Artigo 54 – Proibições aos deputados e senadores
http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=3.1594

6 - Constituição Federal - Capítulo V - Da Comunicação Social (Artigos 220 a 224)
http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/constfed.nsf/16adba33b2e5149e032568f60071600f/867c0b7d461bdcb50325656200704c11?OpenDocument

7 - Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros
http://www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf

É culpa da mídia!


É realmente fácil relacionar a mídia ao consumo exagerado e desnecessário de produtos. A explicação para esse “hábito” é simples: a mídia é o principal agente divulgador de bens e serviços. É através dela que conhecemos, de forma geral, os próximos objetos que iremos adquirir ou desejar ter. Isso acontece porque ela é um espaço de troca, de manifestação de opinião e tendências. E não é só isso. Para o escritor e comunicador Niceto Blázquez no livro Ética e Meios de Comunicação (Paulinas: 2001, página 51), “os meios de comunicação social são um instrumento de enorme eficácia para impor ideologias e interesses de todo tipo (...)”. Porém, existe uma engrenagem por trás dessa história, algo simples de ser entendido.

A mídia é composta pelos meios de comunicação que, por sua vez, são utilizados para atingir o público, a sociedade. Mas, já que possui uma engrenagem, a mass media precisa de combustível para funcionar. O que alimenta essa máquina é um sistema econômico que ganhou força a partir da Revolução Industrial, já no final do século 18: o capitalismo. Esse sistema, dominante na parte Ocidental do mundo, tem como objetivo acumular recursos financeiros para que a produção econômica aconteça² de forma vasta. Quanto maior for a produção, mais o consumo será estimulado e maior será o lucro do fabricante.

Então, uma vez que a fabricação ocorre de maneira farta no capitalismo, é preciso existir algum tipo de incentivo para que o que foi produzido seja escoado. É nesse ponto que detectamos, entre outras razões, a importância da mídia: motivar o consumo de tudo o que o mundo capitalista produz. O exemplo da engrenagem, já citado acima, cabe muito bem aqui. Se uma das peças da máquina emperra, ou seja, se o consumo não ocorre, todo o restante do maquinário sofrerá consequências em seu desempenho podendo, inclusive, levar o sistema à paralisação, à falência.

Por isso é, constantemente, atribuída à mídia a culpa de ser a principal responsável pelo hábito consumistas das pessoas. A psicóloga Tereza Helena Schöen Ferreira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma em uma entrevista à rádio Jovem Pan que, atualmente, o consumo não se baseia mais apenas nas necessidades físicas do homem, mas, sim, na propaganda e nas necessidades sociais.

Mas quem gera essas “necessidades sociais”? A resposta está na própria fala da psicóloga: a propaganda; e como isso acontece também não é nenhuma novidade. O jovem consumidor, por exemplo, despensa várias horas do seu dia no contato direto com informações despejadas pela mídia. Só em relação à web, por exemplo, uma pesquisa divulgada no ano passado pelo o Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) aponta que os brasileiros gastam, em média, 26 horas e 15 minutos por mês na internet. Esses dados indicam que o Brasil está no topo dos 10 países que mais gastam tempo com navegação online. Países como o Reino Unido, a França, Alemanha e o Japão ficam atrás dos números brasileiros.

E isso porque somente a internet foi citada... Se dados referentes à televisão forem destacados, a certeza de que não há como não ser “atacado” pela mídia só tende a crescer. A não ser que você more na zona rural e em sua casa não haja telefone, rádio, televisão ou internet - o que acho pouco, bem pouco provável. Até porque, só para se ter uma ideia dos números relacionados à televisão, cerca de 95% das casas do Brasil possuem ao menos um aparelho de TV. A informação, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), indica que, dificilmente, conseguimos escapar dos bombardeios ocasionados pela mídia diariamente.

Todos os dias, de alguma forma, cidadãos são atingidos por informações que brotam dos meios de comunicação. Uma pesquisa realizada pela Universidade da Califórnia mostrou que foi produzida em todo o planeta, no ano de 2002, conhecimento suficiente para ocupar 500 mil bibliotecas iguais a do Congresso dos Estados Unidos. É como se, naquele ano, cada pessoa tivesse produzido uma pilha de livros de nove metros de altura.

Essa sensação de sufocamento causado pela quantidade de informações empurradas ao consumidor só parece ser reforçada em véspera de datas comemorativas, por exemplo. Nessas épocas, não há controle remoto que vença a luta contra as propagandas. São móveis, celulares, carros, eletrodomésticos, eletrônicos e produtos de vestuário a preço “de banana”, “excelentes” para presentear quem você ama. Aí o consumidor entra no dilema: presentear e gastar, ou não presentear e passar a imagem de que não deu importância à data comemorada?

Diante de tal "sinuca de bico", voltamos à questão levantada no início deste texto: se a produção fabricada no mundo globalizado precisa ser escoada, quem gerará nos consumidores a necessidade de comprar? É aqui que mora a Propaganda, filha legítima da Sra. Mídia! “Se a indústria produz coisas em excesso, ou de segunda necessidade, ou com preços acima da realidade, é a publicidade que se encarrega de convencer os indivíduos a comprar aquilo que, em verdade, eles não precisam”¹, afirma o especialista em Docência Universitária Valdecir Lima, professor graduado em Teologia, Língua Espanhola e Letras.

Mas será que essa atitude apelativa da mídia, através da propaganda, gera consequências no modo com que as pessoas consomem? Com certeza! Para o jornalista Michelson Borges no livro Nos Bastidores da Mídia, na página 30, quando somos alvo frequente da mídia, acabamos perdendo a sensibilidade necessária para discernirmos o que vemos ao redor. “A consequência é a adoção de pensamentos e comportamentos muitas vezes até contraditórios em relação com uma vida moralmente correta”².

Ou seja, a base do erro é provocar, no consumidor, uma resposta mais emotiva do que racional porque é através desse comportamento entorpecente que a mídia tenta “amarrar” o consumidor, ou pela emoção, ou através de uma história engraçadinha deixando a desejar no quesito “utilidade” ou “razão fisiológica” que torna o produto divulgado realmente necessário.

A consequência disso tudo é a disseminação de jovens (faixa etária que mais se interessa pelo consumo³) desvirtuados em seus hábitos, que acabam prejudicando a saúde deles e a do próprio bolso.

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Referências:

1 - Trecho retirado do livro O Universitário Cristão na Sociedade de Consumo, página 121. Organização: Allan Novaes e Martin Kuhn. Editora: Unaspress – Imprensa Universitária Adventista.

2 - Informações retiradas do livro Nos Bastidores da Mídia, de Michelson Borges, página 153. Editora: Casa Publicadora Brasileira.

3 - Pesquisa indica que os jovens brasileiros se interessam mais por compras que os jovens americanos. Para ler sobre a pesquisa, clique aqui.

Falar com vc

Por Liana Feitosa, publicado em 07/09/2010, no Observatório da Imprensa, na edição 606.

Após a popularização das redes sociais na internet, os usuários passaram a utilizar boa parte das ferramentas da web (como os sites de relacionamento) para reencontrar amigos, manter relações interpessoais e aumentar a rede de contatos [‘quiproquó’, segundo minidicionário de língua portuguesa da Editora Todolivro: ‘confusão, trapalhada, equívoco’]. Mas e as empresas? O que elas estão fazendo no boom interativo da internet?

Desde o surgimento do Twitter, empresas vêm encontrando formas de aproveitar a rapidez da internet para estar mais próximas de seus clientes. Foi-se o tempo em que o contato empresa-cliente ocorria somente no ato da compra. Hoje, nem organizações, nem clientes querem isso. As corporações querem que suas cores sejam o tom que dá vida à rotina de seus consumidores e os clientes querem que as marcas que mais gostam os acompanhem por longos anos.

E a internet desempenha papel fundamental nessa função de unir corporações e consumidores. Não é raro encontrar pessoas que quando querem encontrar informações sobre aparelhos eletrônicos, se dirigem a sites de empresas do setor, ao invés de ligar para a Magazine Luiza e perguntar o preço dos últimos lançamentos de notebooks. Muito menos se dirigir pessoalmente a uma filial da loja que, por acaso, fica do outro lado da cidade onde você mora.

Blog e twitter nas empresas

O fato é que a utilização da internet como canal de compras tem se tornado tão comum que, para se ter uma ideia, o faturamento publicitário na web cresceu 44% em 2008, se comparado ao ano de 2007. Já o aumento na procura de canais de TV para a veiculação de anúncios publicitários não passou dos 12% no mesmo período.

Na verdade, a internet é a mídia que mais cresce no Brasil, apesar de a TV aberta, jornais e revistas ainda estarem à sua frente em número de usuários [transmissão de programas por ondas eletromagnéticas. Fazem uso da radiodifusão veículos de TV e rádio (AM e FM)]. Segundo o Interactive Advertising Bureau (IAB – Brasil), o grande número de pessoas que tiveram acesso à internet no ano passado mostra como a rede amplia velozmente sua cobertura [Constituição Federal do Brasil – Artigo 54 – Disponível aqui].

Se o uso da internet se mostra em franco crescimento entre as pessoas, as empresas parecem não querer ficar de fora – marcam presença no ambiente virtual. Não só através de sites, mas também do uso das redes sociais.

A LG do Brasil, por exemplo, especializada no comércio de produtos eletrônicos, além de manter um site sobre a empresa e seus produtos, alimenta um blog e ainda utiliza uma conta no Twitter. No microblog, ela responde dúvidas dos clientes e encaminha-os para um atendimento mais detalhado quando é necessário. Instantaneamente (leia mais no making of).

As campanhas das montadoras

Outro exemplo é a empresa brasileira Natura Cosméticos. Ela possui uma equipe de 14 atendentes virtuais no Departamento de Marketing que se revezam no atendimento dos ‘tuiteiros’.

E essa está deixando de ser uma prática isolada. Utilizar as redes sociais para estar perto do cliente e, consequentemente, aquecer as vendas, é somente mais uma brecha que o mercado encontrou quanto às possibilidades para o uso da web.

Na verdade, para o presidente da agência de comunicação Click Isobar, Abel Reis, em entrevista à revista Época Negócios, a tendência é que as redes sociais se transformem, cada vez mais, num espaço de referência para as pessoas. ‘Mesmo aqueles que não são frequentadores ativos das redes irão usá-las de forma prática para auxiliar nas suas escolhas, seja na de um novo celular, uma viagem ou uma nova TV’, analisa [‘Concessão para governar’ – Disponível aqui].

Foi para tentar medir o impacto causado por empresas que fazem uso de redes sociais na promoção de campanhas que o Ibope/NetRatings lançou um estudo em 2008 [Constituição Federal do Brasil – Artigo 220, parágrafo 6º – Disponível aqui]. A pesquisa levantou a seguinte situação hipotética: se montadoras de veículos decidissem realizar uma grande campanha para estimular o consumo de automóveis e, para isso, usassem seus sites oficiais, elas atingiriam cerca de 2 milhões de pessoas. Por outro lado, se os membros de comunidades na internet relacionadas às marcas de veículos resolvessem fazer uma campanha a favor ou contra o consumo de veículos, atingiriam 1 bilhão de pessoas. Ou seja, 500 vezes mais impacto possível do que as campanhas promovidas pelas montadoras.

‘Antes, tudo era controlável e previsível’

Além disso, o estudo constatou que pouco mais de 94% dos internautas que visitam sites de montadoras também frequentam comunidades em redes sociais na internet. Em outras palavras, uma ação das montadoras poderia ser rapidamente confrontada, desmentida ou confirmada por membros de comunidades.

É inegável que o estudo aponta fortemente para novidades no mundo nos negócios. A partir do momento em que a empresa percebe a necessidade de ampliar os serviços prestados na rede através das redes sociais, é necessário ter consciência de que a voz dos consumidores será ouvida muito mais facilmente. Se o indivíduo A, por exemplo, odiou determinado serviço prestado pela empresa de telefonia X (empresas de telefonia são as campeãs de reclamações no Procon [artigo acadêmico. ‘O rádio no Brasil: Do surgimento à década de 1940 e a primeira emissora de rádio em Guarapuava’ – Disponível aqui] e não reclamou no Procon ou em nenhum órgão equivalente, mas expôs o fato para seus mais de 500 seguidores no Twitter, é evidente que algum impacto seus tweets causarão.

Sendo assim, as empresas precisam estar preparadas para comprometer-se em acompanhar avidamente as redes sociais criando intervenções e produzindo conteúdo que chamem a atenção do consumidor nos espaços virtuais, como explica Abel Reis. Porém, não é fácil derrubar barreiras e oferecer ao público, em velocidade instantânea, conteúdo, interação e informações que o interesse. ‘O desafio da conversa franca e aberta com seus clientes não é trivial. Quando fazíamos comunicação predominantemente de modo unidirecional, ainda que não completamente, tudo era mais controlável e previsível’, lembra. Abel se refere àquela comunicação em que somente a empresa falava e os clientes recebiam as informações passivamente.

‘Processos podem ser mais ágeis’

Entretanto, com a popularização da internet (algo que, na realidade, ainda está em desenvolvimento), qualquer hora é propícia para receber questionamentos de clientes e ter a obrigação de respondê-los. Caso respostas não venham, a imagem da empresa pode ser seriamente prejudicada perante seu consumidor. ‘Fazer comunicação por meio de diálogos abertos em tempo real (blogs, Messenger, Twitter) impõe nova atitude, um novo modo de enxergar o próprio negócio. Quanto tempo leva isso? Diria que a vida inteira’, avalia.

E o Twitter, como ferramenta instantânea e de abrangência global, se torna um dos principais caminhos tomados por aqueles que querem criticar e aqueles que desejam encontrar soluções para as críticas. Para a jornalista e professora Kelly Prudêncio, doutora em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Twitter pode ser um mecanismo muito importante para pressionar empresas, partidos e até governos, mesmo não sendo o único canal usado para a expressão.

Na verdade, a web, de forma geral, acaba funcionando como uma via de interesses que possui mão dupla. De um lado, estão as empresas observando o comportamento de seus clientes, estudando-os e tentando encontrar outras formas de os fazerem comprar. Do outro lado, está o consumidor prestando atenção nas empresas das quais adquire produtos e serviços. Óbvio que esse processo de observação recíproca se dá mais lentamente quando ocorre em blogs, por exemplo. Já no Twitter a realidade é diferente. O microblog pode oferecer ao usuário respostas sem gastar muito tempo nisso.

Os usuários da marca LG do Brasil, por exemplo, não precisam mais, necessariamente, ligar para a empresa para saber qual a loja de assistência técnica mais próxima de sua residência. Basta ‘tuitar’ para @LGdobrasil. E esse mesmo princípio se expande para uma infinidade de outras possibilidades e empresas. Como cita a professora Kelly: ‘O Twitter está aí para mostrar como os processos que visam o direito do consumidor podem ser mais ágeis’. Consequentemente, esse universo acaba chamando a atenção tanto das empresas que querem se mostrar amigas de seus clientes, fidelizando-os, quanto de usuários, que querem sempre mais comodidade e bom atendimento.

Em busca de mais competitividade

E não é só o usuário quem tem ampliado, cada vez mais, o hábito de ir até a web para receber consultoria sobre produtos e empresas. Elas, as corporações, também estão adotando o costume de buscar informações sobre seus produtos ou serviços em redes sociais online. Para a especialista em Comunicação e Imagens Midiáticas Erica Peroni, mestranda em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a atenção que as empresas oferecem à suas participações na web é crescente. ‘As empresas estão olhando para todos os seus usuários a fim de que as postagens deles também sirvam de feedback para elas [as empresas]’, analisa Erica. Ou seja, sua marca preferida de cosmético pode estar de olho em você para saber o que você têm falado sobre ela.

Mas, para o analista de sistemas, empresário e blogueiro Edney Souza, especialista em Tecnologia da Informação Aplicada a Negócios pela Fasp (Faculdades Associadas de São Paulo), essas mudanças são mais complicadas do que aparentam. Elas não são, inclusive, um processo rápido que já ocorre com grande parte do mercado. No caso do atendimento via web, é certo que muitas empresas têm adotado o Twitter como ferramenta de atendimento a seus clientes. Principalmente se o volume de reclamações é pequeno, o que facilita para que 100% dos usuários sejam atendidos.

Porém, para Edney, transferir para a internet atividades ainda habitualmente desempenhadas pelo setor de SAC (serviço de atendimento ao consumido), ainda é algo bastante complicado. A partir do momento que a empresa decide usar canais sociais na internet para atendimento, por exemplo, um forte impacto no call center da empresa pode ser gerado. ‘Ao [o cliente] descobrir que o atendimento no Twitter pode ser mais rápido que o telefônico, existe o risco de uma migração massiva de usuários sobrecarregar o atendentes no Twitter. E ainda, ao mesmo tempo, deixar ociosas outras áreas’, alerta o analista.

‘Está claro que esse é um processo em expansão, mas o uso de mídias sociais não implica apenas numa mudança de ferramentas, é uma transição comportamental’, amplia Edney. ‘Mesmo assim, acredito que cedo ou tarde as empresas passarão por esse processo em busca de mais competitividade, pressionadas pelos concorrentes que começarão a tomar seu terreno por usar técnicas mais avançadas de comunicação’, finaliza.