De geração em geração

O papel dos avós na transmissão de valores para os netos e a contribuição dos mais experientes para o futuro da igreja

Durante quatro anos de sua infância, a estudante Aline Stainsack viu seu avô lutar contra o câncer. Ela lembra que mesmo nos momentos mais difíceis, nunca o ouviu reclamando ou culpando a Deus por causa da doença. Ao invés disso, ela guarda a recordação de ouvi-lo cantando o hino Contemplai as Searas Maduras (HA 331) e agradecendo a Deus pelas bênçãos recebidas. O avô de Aline faleceu quando ela tinha oito anos e uma pergunta custou a ser respondida em sua mente infantil: “mas, que bênçãos?” “Algum tempo depois, pude entender que as bênçãos as quais meu avô se referia eram o privilégio de conhecer a Cristo, ver a família na igreja e ter a esperança de se encontrar conosco no Céu”.

Aline se diz privilegiada por ter avós que transmitiram valores religiosos de maneira intencional: “Meus avós maternos sempre foram muito dependentes de Deus e ensinaram a mim, a meu irmão e a meus primos, o valor dessa dependência. A certeza que minha avó tem de que todo o sofrimento vai acabar, e de que um dia estaremos reunidos no céu, nos move a buscar a salvação.”

De avós para netos

A psicogerontóloga Ana Elisa Sena Klein, explica que essa ligação entre avós e netos se aproxima muito do sentimento de paternidade. Para a fisioterapeuta e mestranda em Gerontologia pela PUC-SP, o relacionamento íntimo entre as gerações não deve fazer com que os mais velhos substituam o papel dos pais, mas que os patriarcas influenciem de maneira consciente e saudável a estruturação psíquica da criança. “É por isso que a estrutura familiar ainda é um lugar privilegiado para que o indivíduo se transforme em um ser plenamente desenvolvido”, sintetiza.

Dessa forma, ainda que o modelo tradicional de família seja visto como algo ultrapassado na sociedade contemporânea, ele é fundamental para o desenvolvimento saudável da espiritualidade dos mais jovens, geração responsável pela preservação do legado cultural e religioso da família e pelo futuro da igreja.

Prova disso, segundo Ana Elisa, é que na medida em que o tempo passa, tudo o que foi ensinado durante a infância ganha mais importância na vida dos jovens. O mecanismo é óbvio. A geração atual utiliza o exemplo recebido dos pais – que por sua vez foram moldados pelos avós – para educar seus próprios filhos.

Nesse contexto, os avós são modelo para seus descendentes e fontes vitais de encorajamento e instrução, como no caso de Aline. Quando criança, sua timidez a levava ao isolamento social, mas seus avós a ensinaram que Jesus podia ser seu melhor amigo. “Eles buscavam me mostrar que, se eu pedisse e aceitasse a amizade de Jesus, Ele seria meu amigo. E se eu tivesse Cristo ao meu lado, não precisaria depender de ninguém, apenas dEle”, pontua.


Velhice e religiosidade

Outra contribuição dos avós para os netos adventistas é o exemplo de vida devocional. De acordo com Ana Elisa, as práticas devocionais dos idosos são mais frequentes, tendem a ter um apego maior a fé por causa da maior consciência de sua finitude. Além disso, servem de pontes entre passado, presente e futuro, transmitindo a religião e o aprendizado da vida como um patrimônio, uma herança com grande significado afetivo e carga saudosista. “Dessa forma, netos se tornam ouvintes e testemunhas do legado religioso transmitido pelos mais velhos”, completa a especialista.

Mas não é só a consciência de que as coisas são passageiras que promove união familiar. A religião também estimula o fortalecimento de laços afetivos, porque torna a busca coletiva por crescimento espiritual um elo unificador dos parentes. Em lares, por exemplo, em que a Bíblia é estudada em conjunto, grande contribuição é dada para a formação do caráter dos mais jovens. É o que nota a estudante Wanessa de Azevedo, membro da quinta geração de adventistas de sua família. A jovem – neta do pastor Elias Reis de Azevedo, ícone de um período da música adventista brasileira, e da cantora Zilda de Azevedo, conhecida pelas inúmeras canções infantis que gravou – conta que desde sua infância seus avós prezaram pelo exemplo cristão.

“Meus avós sempre transmitiram ensinamentos bíblicos, realizando cultos em casa e me levando para a Escola Sabatina na igreja, onde minha avó contava histórias e cantava”. Para ela, é essa influência, assim como a educação dada por seus pais, que serve como base para o desenvolvimento da vida adulta. Por isso, ela e o irmão cresceram repetindo hábitos dos avós, e entendem a importância da Palavra e do amor de Deus.

O Brasil está mais velho

Refletir sobre o papel dos avós e idosos para o futuro da igreja, ganha mais importância ao lembrar que o Brasil está envelhecendo. A combinação de queda da taxa de natalidade e maior expectativa de vida, deve fazer do País a sexta nação com maior número de idosos até 2025, segundo o IBGE. Só para se ter uma ideia, hoje os brasileiros com mais de 65 anos, já somam 14 milhões de pessoas, ou 7,4% da população.

Esses números, segundo a assistente social aposentada e mestre em Gerontologia pela PUC-SP, Rode Tavares, desafiam a igreja e a sociedade em geral a lidar com a terceira idade. Para ela, que também atua no ministério do idoso da sua igreja em Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo, o ser humano tem dificuldade de conviver com os mais velhos, porque não aceita a velhice.

Rode acredita que ao não valorizar os idosos, com seu acúmulo de experiências, a sociedade atual, por pensar apenas no presente, está simplesmente ignorando seu passado com o risco de comprometer o futuro. “Estamos, assim, armando uma cilada contra nós mesmos. E, se os adultos não sabem lidar com a velhice, não conseguem ensinar aos mais novos o respeito à geração mais velha”, alerta.

O que a igreja pode fazer?

No contexto da Igreja Adventista, Rode defende que é preciso haver mais conhecimento sobre as peculiaridades dessa fase da vida. “Devemos compreender o idoso como um ser vivo, pensante, racional, um cristão que também almeja a volta de Jesus, mas que possui suas próprias especificidades, suas possibilidades e limitações”, afirma. E não são poucos os adventistas nesta faixa etária. Segundo o relatório de setembro da sede administrativa sul-americana, cerca de 180 mil membros têm mais de 60 anos, o que significa 13,8% dos mais de 1,3 milhão de adventistas brasileiros.

A gerontologista explica que é necessário aumentar os momentos de contato e interação com os idosos, tanto individualmente, como em diversas atividades coletivas. “Isto vai resultar no desenvolvimento gradual do idoso e no desenvolvimento de uma nova cultura sobre a velhice”, acrescenta. “Só assim será possível fazer da igreja um lugar atento à realidade social brasileira e agradável para os membros viverem sua velhice”, conclui.

Do passado para o futuro

Essas mudanças no cenário social dão à terceira idade oportunidade de dividir com seus descendentes, durante mais tempo, suas experiências. Até porque, hoje, os avós estão cada vez mais presentes na vida das crianças, alguns, inclusive, atuando como provedores do lar. “Isso constitui uma relação de dependência e proximidade, significa para o avô ou a avó um renascimento, em que são transmitidos valores éticos, morais, espirituais e culturais”, observa Ana Elisa.

Valores que foram transmitidos ao longo de gerações por famílias adventistas tradicionais. Esses lares deram para a igreja, educadores, músicos e pastores que colocam em prática o que aprenderam com seus antepassados. O pastor Sérgio Klein é um exemplo. Neto, sobrinho e filho de pastor, Klein viu no ministério o propósito para sua vida.

Entretanto, a história desse pastor não se construiu somente com base nas experiências de seus familiares. Para ele, a fé é acima de tudo uma questão de decisão individual: “saber que você tem uma história, exerce diferença significativa na vida e nos faz compreender muitas outras coisas. Mas não sou pastor por tradição, a fé é uma escolha individual.”

Sérgio conta que o exemplo dos mais velhos serve de inspiração para ele e seus filhos. Ele menciona o caso do pai, o pastor Nabor Rosa, que sofreu um derrame cerebral há alguns anos e, como sequela, fala com muita dificuldade. No entanto, Sérgio destaca que, ao pai orar, consegue pronunciar frases inteiras. “Os meus meninos vêem o avô falando direito quando ele está orando e entendem que a fé é algo importante e significativo”, pontua.

O pastor Harley Bleck, maestro e professor do curso de Educação Artística do Unasp, campus Engenheiro Coelho, também encontrou no convívio com os avós, inspiração para sua caminha cristã. “Ela foi uma referência de trabalho, dedicação e altruísmo. Lembro-me de um mendigo que religiosamente vinha à nossa casa para tomar sua sopinha, e ainda que estivesse muito ocupada, ela sempre o atendia bem”, recorda o testemunho da avó, Augusta Belz Bleck.

Harley ressalta que Dona Augusta assumiu o sacerdócio do lar e deixou um legado espiritual para toda a família: “Eu a perdi quando tinha 13 anos de idade, tempo suficiente para receber dela grandes influências. Dentre todas, destacaria o compromisso com a igreja e a pregação do evangelho através de uma vida abnegada e coerente.” Para ele, a vida de dedicação de sua avó é herança recebida do avô dela, Guilherme Belz, que, aos 54 anos, foi o primeiro no Brasil a reconhecer o sábado como dia separado por Deus para descanso e adoração, graças ao contato que teve com a mensagem adventista em Santa Catarina.

Histórias como essas mostram que apesar de a sociedade contemporânea cultuar a juventude e tratar o passado com certo desdém, o valor e a utilidade de um fiel cristão não é diminuído ou anulado por sua idade. Ao contrário, vovôs e vovós consagrados nunca foram tão necessários para inspirar as futuras gerações de adventistas, assim como Lóide serviu de exemplo para a vida e ministério de seu neto Timóteo (2Tm 1:5).

Para saber mais, acesse a página do Ministério do Idoso organizado pela sede administrativa paulistana da Igreja Adventista.



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Veículo: Revista Adventista.

Reportagem escrita por: Liana Feitosa, Raquel Derevecki e Suzaeny Lima.

Link da publicação: Revista Adventista, edição de dezembro de 2011 (http://www.cpb.com.br/htdocs/revistas/ra/2011/ra122011.pdf ).

Data da publicação original: Dezembro de 2011.


Bullying: um velho conhecido

Provavelmente, esta não é a primeira vez que você, leitor, acompanha um texto cujo tema central é a palavra ‘bullying’. A palavra, que aparentemente virou modismo no Brasil, é largamente utilizada na Europa e nos Estados Unidos para definir ações intencionais de violência psicológica ou física. Para a psicóloga Karyne Lira o fato de, atualmente, o assunto receber tratamento tão intenso, principalmente pela mídia, pode até parecer que o tema é novidade. No entando, não é de hoje que a expressão faz parte do cotidiano da sociedade brasileira. Nos dicionários da Língua Portuguesa, a palavra ‘bulir’ significa mexer, tocar, incomodar, aborrecer, provocar; compreensões próximas daquilo que entendemos por bullying.

Para o sociólogo Daniel Rodrigues Aurélio, não é prudente afirmar que os meios de comunicação têm estimulado a prática do bullying devido à sua intensa cobertura sobre o assunto. Para exemplificar, o sociólogo compara a exploração deste tema com a cobertura sobre casos de corrupção na política nacional. Não é que os políticos se tornaram mais corruptos nos últimos anos, segundo ele. “O que aconteceu foi que as denúncias estão cada vez mais presentes na imprensa”, completa. E, em se tratando da exploração do tema bullying, a realidade para o sociólogo é parecida: acontecimentos que, antes, eram guardados como segredo, hoje ganham o conhecimento do público.

Comportamento – Isso ocorre, inclusive, porque a sociedade atualmente vive um contexto mais flexível. “Temos uma maior abertura para informações e reflexões sobre o tema bullying que, de fato, tem despertado crescente atenção e preocupação, sobretudo em pais e educadores”, reflete Aurélio. Ou seja, a sociedade tem aberto espaço para discussões sobre temas que antes, muitas vezes, eram guardados como um segredo. A mesma opinião é compartilhada pela psicóloga. “Esse é um comportamento que já era comum na época de nossos pais e avós, mas que era nomeado de maneira diferente pelas pessoas das gerações passadas”, aponta Karyne.

Portanto, sendo um nome conhecido, ou não, atenção aos casos de violência nunca é demais. “A existência de uma terminologia não necessariamente indica uma definição clara e inquestionável sobre o que é a prática, quais seus limites ou como resolver a questão”, alerta Aurélio. Até porque existem outros tipos de violência que, como Karyne lembra, são tão impactantes quanto o bullying. A psicóloga adverte que casos de humilhação e coação contra calouros em universidades, assim como o assédio moral, muito frequente em empresas, devem ser igualmente combatidos. Estas práticas em sua essência se assemelham ao bullying, mas por não receberem esse nome são, muitas vezes, toleradas.

“O que precisa ser trabalhado é a sensibilização do outro, e não simplesmente a divulgação do que é bullying”, propõe a psicóloga Aline Zeeberg. “É preciso encorajar o autor a pedir desculpas, a colocar-se no lugar do outro, trabalhar sua própria autoestima”, salienta. E não somente isso. Aline ainda repreende aqueles que não se manifestam ao tomarem conhecimento de que um colega sofre violência. “Aqueles que assistem, os espectadores, também devem ser sensibilizados, ou seja, devem ser de alguma forma responsabilizados pelo que vêem e não denunciam, e não apenas serem indiferentes”, defende.


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Veículo: Portal Quebrando o Silêncio.